sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Proteção ou Ingerência?

Acredito que a propedêutica de qualquer disciplina do Direito deve passar necessariamente pelos princípios. Dos constitucionais gerais para os mais específicos (força irradiante). E não poderia ser diferente com o Direito de Família.

Assim, o semestre se inicia sempre com o estudo dos princípios atinentes à família, entre eles, o da afetividade, mas gostaria de propor uma reflexão não tão frequente nos manuais.

A Constituição afirma: 
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
O que quer dizer necessariamente essa proteção? Até onde vai a possibilidade de interferência do Estado na autonomia privada dos indivíduos e sua liberdade de se relacionar? É cabivel, por exemplo, uma norma que estabelece a fidelidade recíproca como dever dos cônjuges (e nem o faz em relação aos companheiros)?

Acerca desse assunto, recomendo: A tensão entre a ordem pública e autonomia privada no Direito de Família contemporâneo, capítulo da obra O Direito das Famílias Entre a Norma e a Realidade de Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues.

Já nas notas conclusivas, sintetizam as autoras: 
... os componentes da família podem construir de forma livre o projeto de vida em comum, por serem conscientes das formas sob as quais se realizam em comunhão de vida. Soa ilegítima a interferência de terceiros em matéria de tanta intimidade quando se trata de pessoas livres e iguais, razão pela qual a ingerência do Estado só é válida para garantir o exercício de liberdades.
Nesse mesmo sentido, destaque-se recente julgado do STJ: 
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO ART. 1.639, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. JUSTIFICATIVA DO PEDIDO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA POR UM DOS CÔNJUGES. RECEIO DE COMPROMETIMENTO DO PATRIMÔNIO DA ESPOSA. MOTIVO, EM PRINCÍPIO, HÁBIL A AUTORIZAR A MODIFICAÇÃO DO REGIME. RESSALVA DE DIREITOS DE TERCEIROS. 1. O casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de "asilo inviolável". 2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada do consortes. 3. No caso em exame, foi pleiteada a alteração do regime de bens do casamento dos ora recorrentes, manifestando eles como justificativa a constituição de sociedade de responsabilidade limitada entre o cônjuge varão e terceiro, providência que é acauteladora de eventual comprometimento do patrimônio da esposa com a empreitada do marido. A divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona everedar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal. 4. Portanto, necessária se faz a aferição da situação financeira atual dos cônjuges, com a investigação acerca de eventuais dívidas e interesses de terceiros potencialmente atingidos, de tudo se dando publicidade (Enunciado n. 113 da I Jornada de Direito Civil CJF/STJ). 5. Recurso especial parcialmente provido.
Sendo, pois, a família espaço de busca de felicidade do indivíduo, pode-se ainda caracterizá-la como instituição? Estaria ela acima dos indivíduos que a compõem?

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