O casamento é um vínculo jurídico que une duas pessoas
numa relação regulada pelo Direito de Família. Muito ainda se discute acerca da
sua natureza jurídica, se de contrato, de instituição ou de ambos.
A teoria clássica é a contratualista, marcada pela forte
influência individualista pós Revolução Francesa (por essa razão também chamada
de teoria individualista). Embora o casamento civil já fosse admitido para os
protestantes desde 1787 com o Édito de Tolerância, a Constituição francesa de
1791, querendo eliminar a forte conotação religiosa do matrimônio, afirma:
La loi ne considère le mariage que comme
contrat civil.
Para essa teoria, pois, prevalece a natureza negocial do
casamento, consubstanciada no consentimento indispensável à sua concretização.
Assim, por exemplo, dizem Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:
Quando
se entende o casamento como uma forma contratual, considera-se que o ato
matrimonial, como todo e qualquer contrato, tem o seu núcleo existencial no consentimento, sem se olvidar, por
óbvio, o seu especial regramento e consequentes peculiaridades.
Para Maria Berenice Dias, para quem a discussão acerca da
natureza jurídica do casamento se revela
estéril
e inútil, “
talvez, a ideia de negócio de direito de família seja a
expressão que melhor sirva para diferenciar o casamento dos demais negócios de
direito privado.”
Para a teoria institucionalista, surgida em oposição à
teoria clássica, o casamento é uma instituição social. Segundo Venosa, “
O casamento faz com que os cônjuges adiram a
uma estrutura jurídica cogente predisposta. Nesse sentido apresenta-se a
conceituação institucional.”
Ao lado desse argumento, os defensores da corrente institucionalista sustentam,
ainda, a necessidade de uma autoridade pública para conferir aos nubentes o
status de casados.
Assim como na dialética hegeliana, do embate das duas
teorias, surge a terceira, denominada de teoria eclética ou mista. Nas palavras
da professora, Martha Saad,
Na
tentativa de conciliar as duas teorias principais, a teoria eclética ou mista
considera o casamento como contrato em sua formação, pela imprescindibilidade
do acordo de vontades, e instituição em sua duração, pela intervenção do poder
público na fixação imperativa das regras e na celebração e pela
inalterabilidade de seus efeitos. Para seus adeptos o casamento é um ato
complexo.
Com algumas variações, transitando entre a teoria
clássica e a eclética, a grande maioria da doutrina parece concordar que o
casamento é, enfim, um contrato especial de direito de família.
Delimitar a natureza jurídica do casamento é tarefa
importante para se verificar em que momento os nubentes mudam o seu estado
civil, em outras palavras, em que momento exato adquirem o status de casados.
Não há qualquer controvérsia acerca das formalidades que
revestem a celebração do casamento. A inobservância delas, afora as hipóteses
previstas na própria lei, torna o casamento inexistente, consoante entendimento
doutrinário.
Mas diante de tantas formalidades, em que momento exatamente o vínculo conjugal
é estabelecido?
Diz o art. 1.514 do
Código Civil: O casamento se realiza
no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade
de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Uma primeira leitura do dispositivo leva a crer que o
vínculo apenas se estabelece quando a autoridade celebrante declarar efetuado o
casamento. Esse é o entendimento esposado, por exemplo, por Cristiano Chaves e
Nelson Rosenvald:
Após
áridas discussões doutrinárias, através das quais alguns optavam por entender
existente no momento da declaração de vontade, enquanto outros exigiam a
leitura da fórmula sacramental, foram dissipadas as dúvidas através da
clarividência do art. 1.514 [...]. Optou, portanto, o direito positivo em
reconhecer a existência do casamento no exato instante em que a autoridade
promove a leitura da fórmula sacramental, declarando-os casados.
Para Venosa, a redação do art. 1.514 não dissipou a controvérsia,
embora realmente uma primeira interpretação exija o pronunciamento da
autoridade celebrante.
De acordo com o Código Civil,
o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem
casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento.
Ou seja, os atos ocorrem de forma sucessiva e imediata. Por que, então, o
questionamento? Bem explica Venosa:
A
dúvida pode ter efeitos práticos, pois qualquer um dos circunstantes pode
morrer nesse ínterim. É importante saber se morreram no estado de casados.
Em que pese o relevo dos autores que não prescindem da
declaração da autoridade celebrante, sendo o casamento um contrato de direito de família, como endossa a maioria da doutrina,
a melhor exegese parece ser a que diz que ele se aperfeiçoa com o consentimento,
tendo o pronunciamento estatal efeito meramente declaratório. Nesse sentido,
Stolze e Pamplona prelecionam:
[...]
é bom frisar que a concretização do ato matrimonial decorre do consentimento dos noivos, quando
manifestam a vontade de se receberem reciprocamente, e não da chancela oficial do presidente do ato, de natureza simplesmente
declaratória.
Expliquemos.
Ao
consentirem, recebendo-se um ao outro como marido e mulher, os nubentes passam
à condição de cônjuges, de maneira que a fórmula oficial dita pela autoridade
celebrante, ‘declarando-os casados, na forma da lei’ não tem uma finalidade
integrativa ou constitutiva do ato, mas tão somente declaratória da união
conjugal.
A reforçar o entendimento contrário, há o argumento da
possibilidade de suspensão do casamento se algum dos contraentes se manifestar
arrependido, como prevê o art. 1.538, III do diploma civil. Entretanto,
seguindo a mesma linha de raciocínio, parece ser mais robusto o argumento pró
momento do consentimento, uma vez que a mesma lei civil “
admite o casamento sem a presença do celebrante no casamento
nuncupativo e, da mesma forma, atribui efeitos civis ao casamento realizado
perante autoridade eclesiástica.”
Desse modo, considerando ser o casamento um contrato e
considerando, ainda, que nem todas as formas de casamento exigem a presença de
autoridade estatal como requisito de existência, uma segunda leitura do art.
1514 do Código Civil permite concluir que, de fato, o casamento se realiza no
momento em que os nubentes manifestam, perante o juiz, a sua vontade de
estabelecer vínculo conjugal. O juiz apenas declara-os casados, tendo tal
declaração efeito semelhante ao de uma homologação.
Referências
Bibliográficas:
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, volume 6:
Direito das Famílias. 5 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora Juspodivm,
2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume 6:
As famílias em perspectica constitucional. 2 ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito de Família. 9 ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013